É TÃO FÁCIL.
ENTÃO POR QUE
COMPLICAR?
REVISTA PROPAGANDA E MARKETING
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Mercado
03.05.2010
Propaganda no Futuro
Abaixo a ditadura do consumidor
Juro que tentei fazer algumas previsões futurísticas, mas confesso que não levo o menor jeito para Mãe Dinah da publicidade. Mas, partindo do princípio de que a propaganda no futuro será consequência do que estamos vivendo hoje, melhor a gente se preocupar com o presente.
Se as coisas continuarem a caminhar na direção em que estão, anunciantes e agências acabarão nas próximas décadas reféns do público que deveria ser o alvo. Nunca tantas empresas se preocuparam tanto com a opinião do consumidor. Chegam a perder um tempo enorme chafurdando nas redes sociais à procura de sinais para entender e atender seus desejos mais subjetivos.
Gente, o consumidor não tem esse conhecimento todo, não. Há 30 anos, ele não sabia que precisava de um tênis com amortecimento a ar, nem que preferia ouvir música em fones de ouvido, muito menos que necessitava participar de uma rede mundial de computadores. Consumidor consome. Simplesmente. Se o produto for bom, consome de novo. Se for excelente, recomenda aos amigos. Se for ruim, deixa de comprar. E se ele se sentir enganado, põe a boca no trombone. Criar produtos inovadores, ampliar mercados, estimular novos hábitos de consumo é tarefa das empresas. Indelegável.
O problema é que é mais fácil ficar correndo atrás de tendências do que assumir o ônus e os riscos de lançá-las. É só olhar para o que está surgindo de novo e ser ágil o suficiente para aproveitar a bolha antes que ela estoure. Nem é preciso se esforçar muito, já existem várias empresas especializadas em trends, cool hunting e outros modismos prestando esse tipo de consultoria. Mas o grande capital continua sendo a inovação. A arte de apostar na intuição e superar as expectativas do mercado. É o tipo de criatividade que está cada vez mais rara e valorizada. E para participar desse jogo, as empresas precisam perguntar menos e encantar mais.
Sempre respeitei o consumidor e procuro estar atualizado em relação aos códigos das diversas tribos. Mas não superestimo a sua capacidade de discernimento mercadológico. É como colocar o Homer Simpson para projetar o carro ideal da família americana, o que, aliás, rendeu um dos episódios mais hilários da série.
Da mesma forma, consumidor não entende nada de propaganda. Ele gosta ou não gosta. Lê o anúncio ou vira a página. Assiste ao filme ou muda de canal. E quando é impactado, se sente estimulado a experimentar o produto anunciado ou não. Não adianta perguntar o que ele gostaria de ver nos comerciais. Já vi muita campanha boa morrer em salas de pré-testes, por causa de uma frase dita sem pensar, que acaba indo parar no relatório de pesquisa. Embora reconheça a razão dos focus groups, sempre acompanhei com certa descrença esse tipo de avaliação, mesmo quando os resultados eram favoráveis à campanha sugerida pela agência.
Não dá pra pegar um grupo de donas de casa, tirar de seu habitat doméstico, enfiar numa sala monitorada por câmeras, sabendo que existe um monte de gente atrás do espelho, servir coxinhas frias e Coca-Cola quente e esperar que elas deem uma opinião espontânea ou isenta sobre esboços mal traçados de campanhas. Haja capacidade de abstração. Em geral, o que acontece é que a mais desinibida acaba falando o que acredita que esperam que ela diga, conduzindo o grupo e influenciando outras participantes. A moderadora precisaria ser PhD em sociologia pra filtrar com segurança esse tipo de interferência.
Há quem defenda a pesquisa qualitativa como fonte geradora do precioso consumer insight, como se publicitários não fossem, antes de tudo, consumidores. Todo criativo de agência é um consumidor treinado para falar com outros grupos de consumidores. Se a criação precisa de insights da população, que levante a bunda da cadeira e vá procurar nas lojas, botecos, galerias e estádios de futebol. É muito melhor contar com esse tipo de insumo in natura do que produzi-lo artificialmente numa sala de vidro.
Ao consumidor, cabe o papel mais importante dentro da cadeia produtiva: consumir. E ele sempre teve o direito de se manifestar em relação ao que consome. O que mudou é que agora seu alcance é maior com a internet. Se souber articular com certa malícia a informação, tem o poder de emitir a sua opinião para milhões de pessoas. É aqui que mora outro perigo. Qualquer um hoje pode abrir uma comunidade para ODIAR um produto, uma marca ou para falar mal de uma campanha. Inclusive os concorrentes, disfarçados de consumidores comuns.
Com um texto engraçadinho e alguma habilidade para manipular a opinião pública, se consegue uma legião de seguidores que pode destruir uma marca ou, pelo menos, fazer um bom estrago em sua imagem. Ou então arruinar a reputação de uma agência ou publicitário. Onde está o “Conar” das redes sociais? Como tirar uma calúnia do ar antes que o estrago aconteça? Quem vai ganhar com essa indústria da difamação digital, além dos advogados de porta de empresa?
Só sei que precisamos encontrar rápido os limites da liberdade de expressão na internet e reassumir o controle da relação oferta e procura. E precisamos voltar a surpreender os consumidores com uma propaganda menos previsível. Senão, no futuro, quando quisermos nos divertir um pouco, vamos ter que acessar os comerciais argentinos no YouTube.
Renato Cavalher - Sócio e diretor geral de criação do grupo OpusMúltipla